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General Motors: 1 defeito, 124 mortos, 274 feridos, milhões em prejuízo…

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Há 10 anos, General Motors enfrentou mais uma das suas escabrosas histórias, que por pouco não permaneceu acobertada. Foi obrigada a fazer acordos com 124 famílias por mortes resultantes de interruptores de ignição defeituosos instalados em pelo menos 2,6 milhões de carros que fizeram recall em 2014, incluindo os Chevrolet Cobalt e HHR, Pontiac G5 e Sky, e Saturn Ion e Solstice. Isso marcou um final sombrio para um ano de reivindicações de familiares e advogados por fatalidades e ferimentos decorrentes de defeitos que a montadora escondeu por 13 anos. Se a Volkswagen teve seu Dieselgate, a GM foi além, já que no caso dos motores VW ninguém morreu.

por Ricardo Caruso

Um fundo de indenização foi rapidamente criado em junho de 2014, semanas após uma auditoria interna contundente ter constatado que funcionários da própria empresa não relatavam problemas de segurança detectados desde 2001. O tal fundo começou a aceitar reivindicações em agosto de 2014, sob a direção do advogado Kenneth Feinberg, que anteriormente supervisionou fundos para vítimas do “11 de Setembro” e do atentado à Maratona de Boston, entre outros. Até aquele momento, a revisão considerou a GM responsável por 124 mortes e 274 ferimentos de motoristas e passageiros nos veículos afetados.

Antes de criar o fundo, a GM afirmou ter conhecimento de 13 mortes relacionadas aos problemas com a chave de ignição. Em março de 2015, o número de mortos havia aumentado para 64 e quase dobrado nos quatro meses seguintes. Os reclamantes receberam pelo menos US$ 1 milhão cada e tiveram que concordar em desistir de todos os processos judiciais, da época e futuros, relacionados com a chave de ignição. Outros 350 pedidos de indenização por morte e 3.588 por ferimentos foram considerados inelegíveis, com seis pedidos adicionais de indenização por ferimentos leves. O prazo para envio dos questionamentos era 31 de janeiro de 2015, prorrogado pela GM por um mês após surgirem relatos de que a empresa nunca contatou a família da primeira vítima.

O Chevrolet Cobalt respondeu por mais de 2 milhões dos carros da GM que passaram por recall por falha na ignição.

Jean Averill morreu em um acidente de carro em 2003. Os airbags do seu Saturn Ion não foram acionados, levando a General Motors a considerar este o primeiro acidente fatal ligado ao interruptor de ignição defeituoso. Mas, embora o nome de Averill apareça no relatório interno de 315 páginas da GM sobre o interruptor de ignição, sua família declarou que nunca teve notícias da GM sobre o defeito mecânico que causou sua morte. Foi somente na nove anos depois, em 2014, que a família descobriu que tinha direito a pelo menos US$ 1 milhão do fundo de indenização das vítimas da GM.

Não havia padrões de torque ou vibração especificados impostos à chave de ignição de um veículo pela NHTSA, no entanto, a General Motors criou seus próprios critérios e especificações como um guia para seus engenheiros. Foi descoberto que as chaves de ignição sujeitas ao recall não atendiam a dois dos requisitos especificados da GM — torque necessário e ambiente de vibração. O torque, ou potência rotacional que impede a chave de ignição de mudar de posição, era exigido pelos próprios padrões da GM para estar entre 10 N.cm e 20 N.cm (centímetros de Newton). No entanto, eram menores que 10 N.cm na produção, uma força tão pequena que a tornava propensa a mudanças de posição que poderiam potencialmente desligar o motor. 


A chave era teoricamente feita para suportar a exposição a ambientes de vibração, sem danos ou perdas de função. No entanto, foi descoberto que durante momentos extremos de vibrações, ou mesmo com a presença de objetos um pouco mais pesados, ​​como um simples chaveiro, a chave mudava de modo de “Run” para “Accessory” sem a intenção do motorista. O interruptor de ignição foi projetado para cortar a alimentação de energia dos airbags do veículo quando no modo “Stop” ou “Accessory”. Portanto, isso era um risco à segurança: se o interruptor mudasse de “Run” para “Accessory” e o veículo se envolvesse em um acidente, ele não teria mais como liberar os airbags e ainda seria difícil para o motorista dirigir e frear. A GM estava ciente disso tudo e realizou reuniões sobre o assunto já em 2005. Foi preciso mudar até o formato da chave de ignição (abaixo).

Na esquerda, a chave antiga, e na direita, a nova. A ideia era evitar que o chaveiro se movimentasse e,
com seu peso, mudasse a chave de posição, já que a restrição de torque na peça estava errada.

Para piorar, a General Motors fez um pedido urgente de 500.000 interruptores de ignição de reposição quase dois meses antes de abrir um recall com a NHTSA (National Highway Traffic Safety Administratrion). Ou seja, sabia do problema e escondeu. A descoberta, obtida a partir de uma troca de emails entre um funcionário da GM e a fornecedora de interruptores de ignição Delphi Automotive, contradisse os relatórios anteriores da GM sobre a cronologia do recall que envolveu mais de 2,5 milhões de veículos e que havia causado até aquele momento pelo menos 30 mortes registradas.

A empresa pagou US$ 280 milhões às famílias das vítimas até meados de julho de 2015 e os acordos totalizaram US$ 625 milhões, de acordo com documentos. Um processo separado, movido em 2013, envolvendo os pais de Brooke Melton, uma mulher de 29 anos que morreu em um Chevrolet Cobalt 2005 quando seu carro apresentou defeito, concluiu que a GM havia redesenhado secretamente o interruptor sem alterar o número da peça (part number). Os interruptores mais antigos eram fabricados com limites de torque baixos o suficiente para que a chave pudesse mudar da posição de partida, desativando assim o motor, os sistemas de assistência elétrica e os recursos de segurança, incluindo airbags. A GM chegou a um acordo com a família Melton pela segunda vez, após a empresa não divulgar toda a documentação disponível comprovando que a peça havia sido trocada.

O número real de mortes atribuídas à falha pode ter sido muito maior. A GM enfrentou quase 200 ações judiciais alegando ferimentos ou morte relacionados a alguns dos 26,8 milhões de veículos da marca que passaram por recalls diversos em 2014. Ocorreram também mais de 100 ações coletivas alegando danos econômicos provocados por esses recalls. A GM também enfrentou investigações sobre chaves de ignição por 50 procuradores-gerais estaduais, uma investigação criminal pelo Departamento de Justiça e uma revisão separada pela Comissão Federal de Comércio sobre concessionárias da GM que vendiam carros usados ​​sem reparos de recall.

E quem pagou a conta na GM? Em 14 de abril de 2014, a GM anunciou que dois de seus executivos, Selim Bingol, vice-presidente de comunicações globais e políticas públicas, e Melissa Howell, vice-presidente de recursos humanos globais, estavam deixando a empresa. A GM não disse se Bingol e Howell haviam renunciado ou foram demitidos…


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