Puma: a lenda dos esportivos nacionais
GRANDES “FORA DE SÉRIE” BRASILEIROS
A Puma Veículos e Motores, ou simplesmente Puma, não é apenas uma marca de automóveis, mas um verdadeiro ícone da indústria automotiva brasileira.
por Rubens Caruso Jr.
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Nascida da paixão pelo automobilismo e da criatividade, a Puma se consagrou na história por produzir esportivos “fora de série” numa época em que a importação de veículos era restrita no Brasil. Sua trajetória, marcada pela beleza de seus carros, bom desempenho (dentro das possibilidades) e resiliência, faz dela a fabricante brasileira com o maior número de veículos esportivos produzidos.
Origens e Evolução
A história da Puma começa em 1964 com a Sociedade de Automóveis Lumimari Ltda., fundada pelo fazendeiro e entusiasta de corridas Genaro “Rino” Malzoni, em parceria com Luís Roberto da Costa (“LU”), Milton Masteguin (“MI”), Mário César Camargo Filho (“MA”) e o próprio Rino (“RI”); o nome Lumimari era um acrônimo dos nomes dos sócios-fundadores.

O primeiro fruto desse empreendimento foi o GT Malzoni, um protótipo de corrida desenvolvido sobre o chassi e mecânica do DKW-Vemag. Com carroceria leve de fibra de vidro (após algumas boas experiências com carroceria de metal) e motor DKW de três cilindros (dois tempos!), o modelo logo demonstrou sucesso nas pistas, impulsionando o projeto.

Em 1966, com o objetivo de produzir um modelo exclusivo para as ruas, a empresa mudou o nome para Puma Veículos e Motores Ltda., escolhido para desvincular a imagem apenas de carro de corrida e em referência ao felino símbolo de garra. Quem sugeriu o nome Puma foi o genial Jorge Lettry, que foi chefe de competições da Vemag e que por muito tempo trabalhou no ajuste fino dos Puma.
Com a aquisição da Vemag pela Volkswagen, a Puma precisou se adaptar. A partir de 1967, a produção de seus esportivos migrou para um projeto totalmente diferente, usando o chassi e componentes mecânicos da Volkswagen (inicialmente do Karmann-Ghia e Fusca, com motor traseiro arrefecido a ar), um conceito que se tornaria a marca registrada da Puma por anos, unindo a ideia da carroceria em fibra de vidro, leveza e desenho arrojado à mecânica de carros de passeio VW, com manutenção simples e abundância de peças de reposição, sem contar a infinidade de opções de preparação.


Modelos de Destaque e Características Relevantes
A Puma produziu uma série de modelos que se tornaram clássicos, cada um com sua identidade:

- Puma GT DKW (1967): primeiro modelo de rua, tinha linhas de inspiração europeia e mecânica DKW.

- Puma GT VW (1967-1970): conhecido como “Tubarão”, por suas linhas. Adotou a plataforma VW (motor traseiro “a ar” de 1.500 cm³). Famoso por sua agilidade e desenho diferenciado.

- Puma GTE (Coupé) e GTS (Conversível), anos 1970 e 1980: sucessores do GT, foram os modelos mais populares da marca. Mantinham o conceito da carroceria de fibra sobre a mecânica VW “a ar” (1.600 cm³). Apresentavam desenho aerodinâmico e esportivo, tal como o antecessor, conquistando o mercado nacional e sendo exportados para países como Estados Unidos, Japão e África do Sul, onde chegou a ser produzido.

- Puma GTB (Grand Turismo Brasil) “Série 1” e S2: lançado nos anos 1970, o GTB foi o modelo de maior prestígio e performance da Puma. Sua principal característica era o uso de mecânica Chevrolet Opala, com motor dianteiro seis cilindros em linha (4.1 litros ou 250S). Era um carro maior, mais potente e mais luxuoso, uma espécie de resposta nacional aos muscle cars americanos. O primeiro protótipo foi batizado de GTO.

- P018: Nos anos 1980 a Puma decidiu renovar seu modelo mais bem sucedido, o GTE/GTI. Surgiu o P-018, uma nova carroceria com o chassi e mecânica do VW Brasília, motor de 1.700 cm³ e suspensão da Variant II.
Outros Modelos
A Puma também se aventurou em outros segmentos, produzindo picapes leves e até um caminhão elétrico em parceria (o Eletron, em 1980), além de modelos reestilizados como o Puma GTI e GTC (conversível) nos anos 1980. Foi tentada a produção de um carro pequeno, o Mini-Puma, com motor DAF de dois cilindros. O carro chegou a ser exposto no Salão do Automóvel de 1974, mas a ideia não avançou. Depois veio a ideia de nacionalizar o Daihatsu Cuore, que também não aconteceu.


Posicionamento de Mercado e Legado
O posicionamento da Puma —no mercado de sua época — era o de uma fabricante de carros esportivos exclusivos e desejáveis, um sonho de consumo para muitos brasileiros.
A marca soube aproveitar o período de restrição à importação no País (1976 a 1990), oferecendo a única alternativa viável para quem buscava um carro com visual e dirigibilidade esportivas, com a vantagem da manutenção simplificada da mecânica nacional (VW ou Chevrolet).
Os Puma eram considerados “carros fora de série”; a produção artesanal em fibra de vidro e o desenho exclusivo os diferenciavam dos carros de linha das grandes montadoras, mas o uso de mecânica popular (VW a ar) os tornava mais acessíveis em termos de custo de manutenção do que um eventual importado ou um esportivo nacional de alto custo (como o Brasinca Uirapuru).
O sucesso da Puma nas competições, desde os tempos do GT Malzoni, serviu como uma poderosa ferramenta de marketing, conferindo à marca uma aura de performance e garra.
Também fez sucesso Internacional: a exportação, e até a montagem sob licença na África do Sul, demonstrou a qualidade e o apelo do desenho atemporal da Puma, quebrando barreiras geográficas.

Em novembro de 1985, a Puma Indústria de Veículos S.A. encerrou as suas atividades, o que não significou o fim da marca. Apesar de ter enfrentado crises financeiras e trocas de comando nos anos 1980 (passando por Araucária Veículos e Alfa Metais, ver abaixo), a Puma deixou um legado duradouro. Estima-se que mais de 23 mil unidades tenham sido produzidas (cerca de 1.600 são GTB), e hoje os modelos Puma são itens de colecionador altamente valorizados.
A Araucária S/A (Araucária Veículos) assumiu a continuidade da fabricação dos modelos “a ar” (GTI e GTC) a partir de 1986, montando carros em kit com motores revisados, uma vez que não conseguia acesso a motores novos da Volkswagen. Os modelos foram rebatizados como o Puma AM1 e AM2 (conversível), mantendo a essência do desenho do P-018, além do AMV, sucessor dos GTB. Na época houve interesse de Muhammad Ali, numa triangulação com a Araucária e alguns árabes em produzir pelo menos 1.400 carros para o mercado americano, mas como tinha tudo para dar errado, deu.

Depois veio a Alfa Metais, especializada em veículos comerciais e componentes, que assumiu o controle em 1988. Sob esta gestão, a linha esportiva foi novamente reestilizada e rebatizada para AMV. Com a abertura do mercado de importados no início dos anos 1990, a empresa priorizou sua linha de caminhões leves, colocando um ponto final na produção em série dos carros esportivos da Puma em 1994.
O rugido da Puma voltou recentemente, com iniciativas de resgate da marca em 2022, como o lançamento do Puma GT Lumimari, uma releitura moderna que celebra a herança e o espírito audacioso de seus criadores originais, restrito a apenas 10 unidades. Não se tem notícia da efetivação desse projeto além de um protótipo com motor do VW Fox.

A Puma, mais do que uma montadora, é um símbolo da capacidade de inovar e da paixão automotiva brasileira. Afinal, quem nunca sonhou com um Puminha na garagem?
Curiosidades
Duplo crime
Em setembro de 1983 um ladrão subtraiu essa GTB de uma loja de carros em São Caetano do Sul. Pelo jeito não estava gabaritado a conduzir um seis cilindros e o resultado foi a destruição num poste.

Enchentes
Localizada no bairro do Ipiranga, capital paulista, a fábrica da Puma foi castigada por enchentes ao longo de sua existência, o que certamente prejudicou muito a saúde financeira da empresa.

Manuais
Se os Puma estão cada vez mais escassos, alguns itens para completar o modelo são quase impossíveis — um exemplo são os manuais de instrução.
Alguns deles integram o acervo de AUTO & TÉCNICA, caso dos GTE e GTS: bastante completo, em português e inglês, com 36 páginas trazendo muitos detalhes, como o circuito elétrico.
Observe na ilustração a presença, sob o porta-luvas, do ar condicionado opcional.

Já o manual da AMV é de uma simplicidade incompreensível, considerando o carro, seu valor e proposta: apenas 20 páginas, sem nenhuma ilustração detalhada, apenas as informações básicas. Curioso é o texto de introdução, desejando ao proprietário que possa, com seu Puma, “rodar por lindos caminhos”.

Catálogos
Itens bastante colecionáveis da marca são os catálogos. Abaixo, um exemplo, em inglês, cujo verso é também um belo pôster.


Era analógica
Hoje em dia a indústria se comunica com a imprensa por meios eletrônicos, mas nos anos 1960 e nas quatro décadas seguintes o caminho era o impresso, para textos e fotos. Abaixo estão alguns exemplos de antigos materiais da Puma, do acervo de AUTO & TÉCNICA, incluindo cópias produzidas em mimeógrafos!
À direita, o documento trata da história do DKW Malzoni, destacando que “A firma denominada FIRBOPLASTIC LTDA”, se prontificou a construir tirando o molde do protótipo em chapa”.

Adesivos
Também do acervo de AUTO & TÉCNICA.

Em escala
Como todo carro icônico, há boas opções de miniaturas de Puma, desde modernos 1/43, clássicos da Estrela como os de Autorama ou “Jamanta”, até os fantásticos PUMA AVL motorizados.


