O belíssimo e único Ford Model 40 Special Speedster 1934, de Edsel Ford
Edsel, filho de Henry Ford, criou um modelo esportivo único em 1934, que ficou desaparecido por muitos anos. Hoje o carro é destaque no “The Edsel e Eleanor Ford House”, um museu no estado americano do Michigan.
por Ricardo Caruso
Edsel Ford tinha a cabeça totalmente voltada para a forma. enquanto Henry Ford se importava apenas com a função. Henry, foi o inventor prático e conservador que acreditava que seu Modelo T era o único carro que qualquer pessoa, do trabalhador rural ao milionário, precisaria ter, e entrou em conflito com seu filho pródigo, viajado, culto e artístico, desde o momento em que nomeou Edsel, de 25 anos, presidente da empresa, no último dia de 1919. O choque do conservadorismo prático de Henry com o elitismo cultural de Edsel é um pedaço da história americana que ecoa até hoje.

Exemplo disso é Ford Model 40 Special Speedster de 1934, um dos mais impressionantes dos carros da década de 1930 que, curiosamente, nasceu nos Estados Unidos e não na Europa, continente que durante décadas determinou a forma dos automóveis.

O Model 40 foi um Ícone da modernidade, e esteve desaparecido até renascer com um restauração que lhe devolveu todo o seu esplendor. A história deste Speedster começou em 1932, quando Edsel Ford (1893-1943), o filho de Henry Ford, regressou de uma viagem à Europa.

Impressionado com os automóveis de competição que vira no Velho Continente, região em que imperava a Art Déco, fez um esboço que entregou a Eugene “Bob” Gregorie (1908-2002), o responsável pelos desenhos da Ford, para projetar e supervisionar a construção de um modelo esportivo para seu uso pessoal. Queria um carro “longo, baixo e elegante”.

nos usados em alguns aviões da empresa.
O primeiro desenho não impressionou Edsel Ford. Não tinha o dinamismo nem o apelo esportivo que ele imaginara, mas Gregoire estava habituado a entender as ideias do Ford filho. “As minhas mãos tornaram-se instrumentos no desenvolvimento dos desenhos”, afirmou anos mais tarde. “Eu era capaz de pôr no papel as ideias e as formas que Edsel tinha na cabeça”.

Partindo do chassi de um Ford A (Model 40), bastante modificado, Gregoire projetou um modelo mais esportivo. Recuou o habitáculo, capô longo, reformulou a traseira para o estilo boat tail dos MG da época e reduziu significativamente a altura ao solo, dando origem a um veículo com imagem e estilo diferente de tudo o que a Ford havia produzido até então, lançando elementos que viriam a ser aproveitados mais tarde em outros modelos da marca americana.

Outro executivo da empresa, Gregorie Robbie Robinson, responsável pela fábrica da Lincoln e pela Ford Aircraft Division, encarregou-se da produção da carroceria toda em alumínio onde os para-lamas usados eram na verdade uma alteração dos que eram usados nos aviões trimotor da Ford.

Os artesãos da Ford Aircraft fabricaram a carroceria elegante com chapas de alumínio de alta qualidade, montadas sobre uma estrutura tubular de alumínio soldada sob medida. “À primeira vista, este carro se parecia muito com os carros de competição Miller-Ford usados na Indy 500 de 1935 para dois pilotos, mas o Ford foi projetado e construído um ano antes. Ele foi pintado na cor favorita de Edsel: Pearl Essence Gunmetal Dark.

No interior, foi usado revestimentos em cinza, o painel de instrumentos era específico, e os mostradores tinham origem na linha Lincoln. Um botão cromado permitia dar a partida, algo que só muitos anos depois chegou aos carros da Ford e outras marcas. Com 950 kg, o Speedster recebeu um motor de 75 cv do Ford Model 40 -que sucedeu o Model 18- mas o bloco não resistiu ao gelo do inverno de 1939-1940 e quebrou, sendo substituído por um 239V8 Mercury de 95 cv de potência, acoplado a uma caixa de câmbio manual de três velocidades. Em algum momento, um coletor de admissão Thickstun com carburador duplo, comando de válvulas mais esportivo e cabeçotes de alta compressão Edelbrock foram instalados. Os Edelbrock depois foram removidos.

Era um modelo esportivo mais do que arrojado para a época e, além disso, exclusivo. Estava avaliado em US$ 100 mil, valor que hoje pode parecer irrisório para um carro exclusivo, mas que há 90 anos era um exagero, ainda mais no período em que ainda se vivia a crise provocada pela Grande Depressão que abalou a economia mundial.
Edsel Ford tinha um gosto especial pela forma e uma paixão incontrolável pelos automóveis. Dizem que era mais que um executivo: era um artista. Foi presidente da Ford aos 25 anos e transformou a empresa que colocou a América sobre rodas com o Ford T –com carros para agricultores ou industriais, como afirmava Henry Ford, que apostara na produção em massa e linha de montagem para reduzir custos –, empenhando-se na simplicidade da facilidade de construção, na confiabilidade e na polivalência de aplicações.

A Ford de Edsel tinha outras ambições e, com a Lincoln (marca dinamizada por Edsel Ford), foi ainda mais além na imagem, qualidade e ambição, especialmente em propostas como o Zephyr (1935) ou o Continental (1939). A sua paixão pelos melhores automóveis do mundo estava clara na sua garagem, por onde passaram modelos da Bugatti, Hispano Suiza ou até o americaníssimo Stutz.
Edsel Ford não desfrutou muito do seu Speedster. Morreu aos 49 anos, em 26 de maio de 1943, vitimado por um câncer, quatro anos depois de seu pai, e o carro ainda foi visto algumas vezes nas ruas antes de desaparecer. Pensou-se que teria sido destruído, mas ressurgiu numa fotografia feita em 1950 rodando por Hollywood. Gregorie deixou a Ford logo após a morte de Edsel, embora Henrique II, filho de Edsel, o tenha convencido a retornar por alguns anos. O Speedster tinha ficado guardado e meio largado por sua esposa Eleanor, até sua morte em 1976. Ela nunca teve carta de motorista. Em 1946, Gregorie, aos 38 anos, mudou-se para St. Augustine, Flórida, onde projetou iates e faleceu em 2002, aos 94 anos.

Sabe-se que em 1958 um marinheiro o adquiriu por UD$ 600 e que o Ford voltou depois à clandestinidade até ressurgir em 1999, pela mão de Bill Warner, um especialista em estudos islâmicos, no “Amelia Island Concours d’ Elegance”.
Em 2008 o carro foi vendido a um colecionador do Texas por US$1,7 milhões de dólares. Dois anos mais tarde, em 2010, após a morte do seu proprietário, o carro foi totalmente restaurado. Retomou a sua originalidade e regressou para casa, agora a “The Edsel & Eleanor Ford House”, que funciona como museu em Grosse Pointe, a noroeste de Detroit.

Hoje, o Ford Model 40 Special Speedster está em exposição e pode ser visto como um tributo à paixão de Edsel Ford pelo desenho. “O meu avô acreditou desde muito cedo que os objetos de todos os dias, incluindo os automóveis, podiam ser vistos como peças de arte”, lembrou Edsel Ford II ao visitar o museu.

